domingo, 24 de agosto de 2008

Retórica

Retórica é a arte do argumento e do convencimento do outro. Velha arte sofista ensinada nas Academias e praticada nas bancas de defesa e acusação. Desde lá a denúncia platônica de que a finalidade da retórica é a vitória na argumentação e não a busca da verdade.

Para convencer bem é preciso, primeiro, convencer-se: eliminar a dúvida, forçar a convicção, embriagar-se do argumento. Tão mais eficaz é a retórica quanto mais entranhada é a convicção. O argumento torna-se o centro de tudo e a argumentação passa a ser a única finalidade: arte pela arte, falar por falar - o entusiasmo segue-se do embevecimento.

O argumento mais eficaz é o mais simples: reto, não admite desvios ou vacilos. É aí que aparecem as curvas do real a complicar. É quando, em nome da eficácia e do convencimento fácil, o argumento simplifica e patrola a realidade. Então, a retórica dobra os ditames da lógica, força os limites do razoável, entorta as prescrições da moral, rompendo os compromissos com a verdade e com a justiça.

E, neste exato momento, o nosso retórico conquista sua primeira vitória, faz seus primeiros cativos: sua integridade moral e sua sanidade mental, presas do argumento. Vitória de Pirro.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Salvos e Eleitos

Bem aventurados os que conhecem a Palavra e foram ungidos pela graça da Verdade revelada. Impávidos e serenos, eles habitam o reino da verdade eterna e cristalina, acima das mazelas dos comuns, sem se deixar tocar pelos enganos e desenganos deste mundo de sombras.

Essa postura olímpica de quem está acima das incertezas e das dúvidas é típica dos fanáticos e dos convertidos. A tal Palavra pode ser a Bíblia, o Corão, a Torá, o Capital , A Riqueza das Nações, A Evolução das Espécies, ou as obras completas de Freud. O importante é que, uma vez adotada uma chave de explicação do mundo em torno da qual se irmanam os eleitos, estes cumpram o ritual sistemático do congraçamento e da reafirmação mútua, reforçando e cristalizando a certeza da salvação pela inspiração do intelecto ou pelo sopro divino. Os salvos têm a certeza das suas convicções pois elas são as únicas verdadeiras. Eles serão sempre tentados pelos perdidos, que vivem no lodaçal da dúvida, enredados no erro, mas a certeza da salvação (o desejo profundo da segurança do seio materno) torna-os imunes e surdos aos apelos deste mundo confuso. Não há caminho mais certo para a fuga da realidade incômoda, ou seja, para a loucura.

A coerência extrema prescrita por um sistema de crenças fechado em si mesmo é a chave para as portas do céu das certezas. A porta que abre o vão das certezas ideais é a mesma que fecha a abertura para o real. Dois vãos com uma só porta. O caminho para o ideal é a fuga do real: loucura.