domingo, 14 de dezembro de 2014

Nossos Maiores Lamentos

Os gregos associavam deuses a conceitos. Para explicar o tempo, por exemplo, usavam dois deuses: Cronos e Kairos. Talvez os nossos maiores lamentos sejam a boca de Cronos e a careca de Kairos.

Cronos era um deus poderoso e soturno, que gerava e devorava seus filhos. Essa é a natureza do tempo quantitativo que passa, contado em horas, dias, anos: nascemos e somos devorados por ele. A boca de Cronos nos assombra: lamentamos o avanço da idade que nos consome e tememos nosso destino certo, a morte. Na mitologia grega, o único que escapou desse destino foi Zeus.

Kairos era um deus jovem e alegre, com asas nos pés e uma lâmina na mão. Além disso, usava um penteado que está de novo na moda, meio moicano, com um longo topete na frente e completamente careca atrás. Kairos representava o tempo qualitativo da oportunidade, que fica na memória e que corta o tempo em dois: antes e depois – por isso a lâmina. Um tempo que se conta em feitos e eventos. A oportunidade ocorre e passa rápido (as asas nos pés), se não é aproveitada se perde – não se pode agarrar Kairos pela careca. Mas oportunidade também se cria - planejar ou prevenir significa pegar Kairos pelo topete, preparar-se para a oportunidade.

Perder tempo, olhar a careca de Kairos, talvez seja o maior lamento moderno, pois Kairos anda bem ativo proporcionando oportunidades mil a todo momento.

domingo, 10 de agosto de 2014

Antes de Partir

Acontece de você se dar conta de que esqueceu a chave de casa no momento em que bate a porta – e a chave ficou trancada dentro? Pois é... o bater da porta funciona como um clique tardio. Realmente, o normal é a ansiedade por chegar ao lugar aonde se deve ir, ou pela “próxima atração” na TV. Esta antecipação do futuro – a pressa – é responsável por muitos esquecimentos que geram enormes perdas de tempo.

Por isso eu desenvolvi o hábito “Antes de Partir”: um pequeno ritual de três a cinco minutos antes de parar o que estou fazendo e ir para uma reunião ou sair do ambiente em que estou. Esse ritual envolve:
1)      Se vou interromper uma tarefa longa a meio, marco o ponto de interrupção e deixo um recado para mim mesmo dizendo o que eu estava pensando em fazer a seguir;
2)      Penso nos lugares que irei antes de voltar e se tenho pastas ou material de referência a levar;
3)      Coloco na mochila material necessário e não esqueço o Power Planner, o Notebook e minha Pasta de Pendências – ou apenas pego o celular e a carteira de documentos, caso se trate de um bate-e-volta e eu não precise de mais nada;
4)      Organizo o local que estou deixando, colocando as coisas que usei nos seus respectivos lugares.

Essa rotina não toma mais do que cinco minutos e economiza muito mais do que isso, tanto na prontidão da informação necessária durante as reuniões (e que muitas vezes é esquecida na pressa de partir) como na retomada posterior das tarefas. A maioria dos adiamentos se dá pela falta da informação necessária.

Você já tentou retomar a leitura de um livro que estava lendo e que deixou de lado há algum tempo atrás sem deixar um marcador no lugar em que interrompera a leitura? Provavelmente releu várias partes até encontrar o ponto em que se encontrava, não? É impressionante como o fato de deixar uma marca no local físico em que se estava no ponto de interrupção acelera a recuperação do estado de concentração quando da retomada do trabalho[1]. O recado para si mesmo acelera ainda mais essa retomada.

Confesso que o desenvolvimento deste hábito é algo relativamente recente e me tornou pontual. Sim, antes eu era alvo de piadas de amigos que brincavam com os pequenos, mas recorrentes atrasos do “especialista em gestão do tempo”. Hoje, posso dizer que estou surpreendendo com minha nova pontualidade graças ao desenvolvimento do hábito “Antes de Partir”.

Mas, para desenvolver um hábito você precisa criar três fatores: o clique, a recompensa e o anseio pela recompensa [2] e repetir a rotina muitas vezes até torná-la automática. Em seu livro “O Poder do Hábito”, Charles Duhigg dá vários exemplos de como usar os três fatores para criar e mudar hábitos. O clique é o elemento disparador do ritual – tem de ser algo objetivo que ocorra necessariamente e desperte a rotina. Na minha rotina “Antes de Partir” o clique ou é o lembrete do próximo compromisso ou, na ausência deste, é o ato de pegar o celular ou desligar o computador. Isso dispara a rotina dos quatro passos acima.

As recompensas que desenvolvi são duas: 1) congratulo-me antecipadamente por saber que não vou me atrasar nem lamentar esquecer nada, e 2) tenho a satisfação de deixar meus ambientes de trabalho sempre asseados[3].

Entretanto, confesso que este hábito não está completamente consolidado, pois experimento ainda uma enorme dificuldade em relação ao desenvolvimento do anseio por essas recompensas. Isso porque há outro anseio no sentido contrário – de continuar o que eu estava fazendo. Diferentemente da maioria das pessoas, tenho pouca dificuldade para atingir o estado de concentração necessário para as tarefas que requerem atenção. Mas, quando atinjo este estado de foco, anseio tanto por me manter nele que, muitas vezes, o clique do lembrete passa praticamente despercebido.

O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi (pronuncia-se “six-cent-mihaly”) dedicou-se a estudar o estado de atenção sem esforço em que se atinge uma concentração tão profunda que se perde a noção do tempo, de si mesmo e de qualquer outro problema. As pessoas que o experimentam descrevem uma experiência de alegria que Mihaly chama de “experiência ótima” ou “estado de fluxo”. Nesse estado, manter a atenção concentrada numa tarefa cognitiva não requer o esforço de controle deliberado da atenção. As características principais do estado de fluxo são:
  • Objetivos claros e alcançáveis, alinhados à percepção de capacidade da pessoa;
  • Concentração e foco: imersão no tema e campo de atenção limitado a ele;
  • Perda de inibição: uma união entre ação e percepção;
  • Percepção de tempo distorcida: a experiência de duração é alterada paralelamente ao ajuste de comportamento provocado pelo efeito retroativo direto e imediato dos acertos e falhas percebidos.
  • Equilíbrio entre os níveis de desafio e de habilidade. Há necessidade de um nível de desafio para entrar em fluxo, mas se o desafio é percebido como muito além da habilidade, o estado de fluxo não se estabelece.
  • Sensação de controle pessoal sobre a atividade;
  • Recompensa intrínseca à própria atividade reduz a sensação de esforço mental.[4]
De fato, estou ainda no processo de usar essa capacidade de concentração residual para focar no recado para mim mesmo assim que o lembrete aciona o clique da rotina. 



[1]  Editores de texto e planilhas eletrônicas permitem que se agregue um Comentário a um parágrafo ou célula. Para trabalhos em papel, o Post-it é a melhor solução.
[2]  DUHIGG, C. (2012). O Poder do Hábito. (R. Mantovani, Trad.) Rio de Janeiro: Objetiva.
[3] Como dou cursos e palestras em ambientes de terceiros, também me congratulo pela certeza de que passei a deixar tudo no lugar que encontrei.
[4] ZIMBARDO, P., & BOYD, J. (2009). O Paradoxo do Tempo. (S. Adriano, Trad.) Rio de Janeiro: Objetiva.



domingo, 25 de maio de 2014

Estudantes com Laptop aprendem menos

Esta é a tradução de uma matéria de Fred Barbash publicada no Washington Post
Por que estudantes usando laptops aprendem menos em aula mesmo quando estão realmente anotando

Você é um daqueles caras antiquados que insistem que os garotos aprendem melhor quando deixam os laptops em casa e tomam notas à mão nas aulas?
Se é assim, você está certo. Há nova evidência para provar isso, e isso é perturbador porque tantos estudantes não são mais ensinados a escrever à mão.
De acordo com um novo estudo baseado numa série de experimentos em laboratório comparando o quanto os estudantes aprenderam após assistir às mesmas aulas, é inquestionável: quem escreve à mão aprende mais, simples assim. Aqueles que tomaram notas à mão demonstraram ter tirado mais das aulas do que os digitadores.
Não é, porém, pelas razões que a maioria pensa. Não é por causa da "multi-tarefa" ou da distração disponível para estudantes que usam laptops, especialmente com WiFi. Isto é  um problema em si. Mas, para esse estudo, num ambiente controlado, nenhuma atividade externa era permitida.
Mesmo quando os estudantes prestavam atenção e tomavam copiosas notas nos seus laptops, ainda assim não aprendiam tão bem. De fato, o volume da sua anotação pode ser parte do problema, como o estudo descobriu.
Pode ser, reportaram os pesquisadores, "que quem anota à mão processa melhor a informação do que quem digita, assim selecionando a informação mais importante para incluir em suas notas, o que os permite estudar" mais eficientemente.
Os autores são os psicólogos Pam A. Meller da Universidade de Princeton e Daniel M. Oppenheimer da UCLA. O estudo, intitulado "A Caneta é Mais Poderosa do que o Teclado: Vantagens da Anotação à Mão Sobre Notas em Laptop," foi publicado online na revista Psychological Science. Ele também foi resumido no Science Daily.
Os pesquisadores conduziram três estudos separados envolvendo um total de 327 estudantes para chegar às suas conclusões. todos os estudantes assistiram às mesmas aulas, mas alguns recebiam laptops para anotar enquanto outros eram instruídos a anotar à mão.
Quanto ao aprendizado dos conceitos apresentados nas aulas os anotadores à mão ganharam.
Quanto à recuperação de fatos, os grupos tiveram resultados comparáveis, exceto quando lhes foi dado tempo para estudar suas anotações em casa, quando, mais uma vez, os anotadores à mão se saíram melhor.
"Mesmo quando lhes foi permitido revisar as notas após um período de uma semana, os participantes que haviam tomado notas com laptops, tiveram um desempenho pior tanto em relação ao conteúdo factual como quanto à compreensão conceitual..."
De maneira geral, os pesquisadores reportaram:
"Quando testados em relação ao que tinham ouvido, os estudantes que anotaram à mão aprenderam melhor. Eles saíram com uma compreensão conceitual significativamente melhor e não se saíram pior do que os usuários de laptop quando se tratou de recordar fatos."
Eis o que é um pouco assustador. Quando os pesquisadores instruíram os estudantes com laptop a reduzir ou eliminar a anotação literal, eles não conseguiram. Os pesquisadores escreveram:
"O uso do laptop pode afetar negativamente o desempenho nas avaliações de aprendizado, mesmo, ou especialmente, quando o computador é usado com a função de facilitar a anotação. Embora um número maior de notas traga benefício, pelo menos até certo ponto, se as notas são escritas indiscriminadamente, ou através de uma mera transcrição das palavras, o que é mais provável no caso de notas digitadas do que em notas escritas à mão, o  benefício desaparece."
De fato, o estudo se acrescenta a uma tonelada de evidências de que para o aprendizado, escrever à mão é melhor e que "a mão tem uma relação única dom o cérebro quando se trata de compor pensamentos e ideias." Isso também é suportado por estudos envolvendo Ressonância Magnética do cérebro. Escrever à mão ativa o cérebro de formas diferentes daquelas usadas na digitação de forma a aumentar o aprendizado.
É claro que a chance de convencer os estudantes a deixar de lado seus computadores é provavelmente nula. Muitos deles já não conseguem mais escrever à mão, um assunto esquecido em muitas escolas americanas, o que já é uma fonte de controvérsia em si.
Há esperança? Pode ser, Mueller disse num e-mail para o Wasshington Post:
"Como descobrimos que isso é resultado de uma tendência dos usuários de laptop a tomar notas de forma literal, se for possível ensinar às crianças a não serem tão literais e serem mais seletivas na sua anotação nos laptops (i.e., como se é forçado a fazer na anotação à mão), eles teriam um desempenho equivalente aos anotadores à mão. Porém... descobrimos que apenas dizer às pessoas para não serem literais simplesmente não funciona, assim qualquer intervenção nesse sentido que se possa imaginar será bastante difícil."
Outra possibilidade, alguns sugeriram, são os apps que permitem a escrita à mão em tablets, um compromisso que os estudantes poderiam aceitar.





sábado, 19 de abril de 2014

Três Motores

O que move a ação? O que faz as pessoas agirem? Três motivações básicas: o medo, o dinheiro e o sonho. Nesta ordem de força e de ocorrência.

O medo da morte é o motor mais forte e mais frequente. Primeiro o medo da morte física. Sobreviver é a necessidade maior. Todos fazem de tudo para sobreviver. Isso criou deuses, religiões, mitos e filosofias que transcendem esta vida, assim como tecnologias que a estendem. Mas há também o medo da morte social: do abandono, do desprezo, do esquecimento. Precisamos de amor, de admiração, de atenção. Isso nos leva a agradar, a ser úteis, a dar para receber, a trocar enfim. O outro – o que ele faz para nós, o que ele pensa de nós – nos interessa. Fazemos de tudo para ser amados. O amor em suas várias formas é a segunda necessidade. Mas o medo destas duas mortes é o primeiro motor.
Desejo não é necessidade. Desejamos um objeto que acreditamos que satisfará a necessidade. O desejo nasce da necessidade, mas se dirige ao objeto e se baseia na crença. E o objeto que todos acreditamos que pode satisfazer qualquer necessidade é o dinheiro. O dinheiro é a epítome e a encarnação do desejo. Muitos fazem qualquer coisa por dinheiro. Este é o segundo motor.

O terceiro motor, mais raro e mais fraco, é o ideal. Ideal é crença e transcendência pura – o esquecimento do eu, do aqui e do agora em nome de uma perfeição imaginada, de um sonho. Não importa se o sonho é realista, o que importa é que eu me movo agora em busca dele. Nenhum sonho é real – se ele nasce da realidade é para transformá-la. Não é a realidade que cria o sonho, é o sonho que cria realidades e que transforma o mundo. A ideia, o ideal, o sonho, a fantasia, transformam o mundo real e criam mundos fantásticos. O sonho é o motor dos gênios e dos loucos. Não para sobreviver, mas para voar.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Princípios de Priorização

1. Priorizar é valorizar.

Prioridade é o que tem valor, o que é importante. E para priorizar bem, é preciso ter clareza sobre os próprios valores. Nós não criamos valores, mas os escolhemos entre as várias propostas que nos fazem. Atendo a demanda do meu chefe porque isso tem valor para mim – seja obedecendo porque valorizo o meu emprego, seja colaborando porque quero cooperar e ser útil. Da mesma forma atendo demandas de clientes, de minha esposa, de meus filhos, de colegas, e as minhas próprias. Entretanto sou sempre eu que escolho em qualquer caso. E sempre de acordo com a minha escala de valores.
2. Priorizar é valorizar em conjunto.

Quando alguém diz que família é uma prioridade, significa que dá valor à família. Mas ainda não está priorizando, está apenas valorizando. A priorização só ocorre quando se comparam valores em conjunto. A prioridade de alguma coisa não é um atributo desta coisa isolada, mas varia conforme o conjunto em que ela é colocada. Isto vale tanto para a importância quanto para a urgência e tem implicações sutis. Uma mesma coisa, quando avaliada em conjuntos diferentes terá prioridades diferentes. Por exemplo, uma mesma tarefa pode ter prioridades diferentes na lista semanal e na lista diária.

3. Urgente é o que não pode ser feito depois.

Depois do quê? Do horizonte de tempo que se está planejando. A urgência de algo é dada pelo seu prazo fatal comparado com o horizonte de tempo que está sendo abarcado no planejamento. Ao fazer o plano do dia, só se deve classificar como urgente o que não se pode deixar para fazer amanhã. Algo cujo prazo é daqui a dois dias só deveria ser classificado como urgente no plano do dia se a sua duração é maior do que o tempo disponível no dia. Entretanto, não pode deixar de ser considerado urgente no plano da semana.

Muitas coisas não têm prazo fatal iminente.  Quase sempre, entretanto, as pessoas usam o prazo como forma de pressão e comprometem-se mutuamente com prazos cuja perda afeta a credibilidade. Mas um prazo comprometido pode ser renegociado sem grande perda de crédito.

terça-feira, 11 de março de 2014

O Radar e a Lupa


A Ciência Cognitiva surgiu da convergência entre neurologia, psicologia e informática e sua Teoria dos Dois Sistemas postula que o funcionamento do cérebro se caracteriza por duas formas de cognição com objetivos e mecanismos separados que, no mais das vezes cooperam, mas que podem divergir[1]. Um dos sistemas é automático e rápido, funciona paralelamente baseado em várias regras heurísticas de resposta a estímulos específicos e consome pouca energia. Esse sistema é chamado de Sistema 1 ou Conjunto de Sistemas Autônomos. Dizer que ele é automático significa que ele opera sem necessidade de atenção consciente. Regra heurística é uma forma simples de resolver um problema de maneira prática, ainda que imperfeita, porque baseada em dados imediatos. O outro sistema, chamado de Sistema 2 ou Sistema Analítico ou ainda Sistema Oneroso é o responsável pela atenção consciente e processos trabalhosos de análise de dados e cálculos complexos. Esse sistema funciona serialmente num fluxo de atenção contínuo que requer esforço mental e é fortemente influenciado pela linguagem. Nós nos acreditamos racionais e conscientes e, portanto, nos identificamos com nosso Sistema Analítico. Porém, o Sistema Autônomo é quem determina a maior parte do nosso comportamento. Inclusive, os dados com que o Sistema Analítico trabalha são, em sua maior parte, apresentados e filtrados pelo Sistema Autônomo.

As capacidades do Sistema 1 têm duas origens. Trazemos heurísticas inatas herdadas geneticamente e que compartilhamos com outros animais. Somos animais e nosso cérebro evoluiu ao longo de milhões de anos para responder automaticamente a uma série de estímulos de forma a maximizar as possibilidades de sobrevivência. Como qualquer animal, fugimos automaticamente (sem pensar) de situações que ameaçam a vida e buscamos automaticamente (sem pensar) aquilo que a mantém. Mas também podemos automatizar respostas rápidas por meio da prática prolongada. Como alguns animais, também podemos ser domesticados ou especializados através do desenvolvimento de reações automáticas condicionadas por meio de treinamento.

Nos vemos como seres conscientes e autônomos, nos identificamos com nosso Sistema 2, mas quem responde, automática e deterministicamente, pela maioria das nossas decisões é o Sistema 1. O Sistema 1 está no "front" enquanto o Sistema 2 fica desligado esperando para ser chamado ou só atuando em caso de crise. Isso constitui duas modalidades de atenção. Uma, característica do Sistema 1, que atua como um radar, vasculhando o ambiente em busca de sinais de alerta. A outra, típica do Sistema 2, é a atenção focada e exclusiva como a de uma lupa.

A atenção tipo radar é dispersa e holística no sentido de que procura estar atenta a toda circunstância. Mas também é sintonizada para detectar variações bruscas ou elementos pontuais, não sendo capaz de identificar processos de mudança mais lentos ou de perceber o todo em si. A atenção tipo radar é aquela que todos temos sem nenhum esforço. Já a atenção tipo lupa precisa ser convocada para atuar, caso contrário permanece “desligada” para não consumir energia. O radar, por seu turno, não é completamente desligado. Mesmo quando a lupa é chamada a atuar no "front" o radar é amortecido, mas fica ativo na retaguarda. Em caso de algum sinal de alerta maior ele pode desligar a lupa do Sistema 2 e disparar uma resposta rápida do arsenal do Sistema 1.

Este é o problema central da administração do tempo: a qualidade da atenção que colocamos em nossos processos de decisão. De fato, não somos escravos do tempo, mas de nós mesmos, ou melhor, deste poderoso “zumbi” dentro de nós, responsável pela maior parte do nosso comportamento constituído por reações automáticas do Sistema 1. Estar no controle e agir conscientemente requer a atenção do Sistema 2. Mas o natural é reagir. Portanto, administrar melhor o tempo significa procurar aumentar a parcela de ações conscientes no dia-a-dia e adestrar nosso Sistema 1 para responder adequadamente num ambiente novo, cheio de informação, que requer cada vez mais capacidade analítica na solução de problemas cotidianos e que está cheio de armadilhas para manipular as emoções que tanto ajudaram nossos antepassados a sobreviver na selva primal. Resumindo, administrar o tempo é agir mais e reagir menos.

Jaime Wagner
www.powerself.com.br



[1]  KAHNEMAN, D. (2011). Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar. Rio de Janeiro: Objetiva. STANOVICH, K. E. (2005). The Robot's Rebellion - Finding Meaning in the Age of Darwin. Chicago: The University of Chicago Press.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Fraqueza Maior


A escalada da violência e a inoperância das “notoriedades” é de um absurdo que revolta quem conserva alguma dignidade do lado de cá e deveria envergonhar quem a tivesse do lado de lá. Não uso a palavra autoridade porque esta é sempre de natureza moral e precisa ser reconhecida. A maioria do lado de lá busca apenas a notoriedade dos instrumentos de status e poder, falta-lhes o essencial para merecer meu reconhecimento.
A polícia diz que não prende porque a Justiça solta. A Justiça diz que solta porque os presídios estão lotados. O Executivo diz que os presídios estão lotados porque a Justiça não julga e não libera os delinquentes menores. E todos dizem que não fazem mais por falta de recursos. Pedem mais policiais, juízes e... impostos. Assim se consuma o duplo assalto: dos bandidos e do erário. Resta aderir e delinquir também. E nem Estado, nem sociedade, com a exceção de alguns indivíduos fazem por melhorar, justificando-se pela fraqueza e pela culpa tanto alheia quanto própria. Fraqueza gera fraqueza. Esta “fraqueza maior” que a todos contamina e a todos redime é a justificativa típica da criança – incapaz por natureza. O Luís Lamb matou: “Não somos um país jovem, somos um povo infantil”. Mas isso não nos redime.

A “fraqueza maior” assumida como natural em nós se agrega ao “caso fortuito” e à “força maior”: as redenções da responsabilidade reconhecidas pelo Direito. Diante do acaso imprevisível e do determinismo incontrolável a vontade se ajoelha e a soberba se humilha. Mas também a culpa se esvai. Nada a fazer. Só resta aceitar o curso dos acontecimentos. Dar de ombros é sensatez, pois nada mais nos compete. Porém, a ação humana adulta requer a boa prática: prudência, pelo menos, senão previsão; técnica sempre aprimorada; e atenção, quando não cuidado extremado. Qualquer falta aqui é culpa: imprudência, imperícia e negligência. Culpa ou incapacidade? Veredicto: culpa "e" incapacidade.
O Estado deveria cuidar da sociedade e fazê-la amadurecer como um pai. Quando o pai é incapaz resta à criança amadurecer por seus próprios meios ou, o que é mais provável, reproduzir a incapacidade na próxima geração. De qualquer forma chorar pelo pai não adianta. Pedir mais pai só cristaliza e reproduz a incapacidade.

A Filosofia da Banana


O que é a banana? Uma fruta responde o simplista - e para o sábio isso basta. O fruto comestível e sem sementes da bananeira explica o detalhista. Uma pseudobaga partenocárpica rica em potássio de uma herbácea acaule do gênero Musa originária do sudeste da Ásia - complica o cientista.
Se o cientista busca as respostas mais precisas, o filósofo busca as perguntas mais inusitadas, ambos igualmente ininteligíveis e chatos. Mas o filósofo é mais chato porque não se contenta com uma explicação e procede num rosário interminável de questionamentos e analogias.
Se a banana “é” o fruto, o que é mais banana, a polpa comestível ou a casca que a protege? Ou ambas? Se retiro a casca, ainda tenho a banana? Mas onde começa a polpa e onde termina a casca? Aqueles fiapos que se grudam na polpa são resíduos da casca ou adições à polpa? A polpa nasce da casca? Ou a casca é criada para protegê-la? O que podemos aprender sobre nós mesmos com a banana? Nós somos a casca da nossa personalidade ou o âmago do nosso self? É o self que escolhe os papéis sociais que definem a personalidade ou são esses papéis que conformam a noção de self?
E paro por aqui para que não me tachem de filósofo.