domingo, 24 de abril de 2011

A Inflação dos Desejos

Leio em reportagem de ZH sobre a corrupção na polícia a sentença do jornalista Carlos Etchichury: “são as carências das polícias que abrem margem para a corrupção”. A princípio tende-se a concordar com o raciocínio meridiano, que, aliás, é o mesmo usado pelo Judiciário para justificar altos salários, construções opulentas e mordomias especiais. Isso me lembrou máxima que cunhei há anos ao orientar orçamentos empresariais: “o problema não está na escassez dos recursos, mas na inflação dos desejos”. Onde se situa o limite do desejo para que não cause a sensação de carência? Aí é que está: carência é um “sentimento” ´de dor e infelicidade que resulta da insatisfação de alguma necessidade. Mas qual necessidade?

Epicuro classificava os desejos em três categorias, conforme a natureza e a necessidade e aconselhava a maneira sábia de lidar com eles. Os desejos naturais e necessários (alimento, sono) precisam ser buscados e realizados. Os desejos naturais e não necessários (a boa mesa, a música, o sexo) devem ser desfrutados na justa medida, sem apego demasiado. Os desejos não naturais e nem necessários (a acumulação de dinheiro, os vícios) devem ser evitados. Para Epicuro, não existiam desejos necessários e não naturais. Ele não viveu numa sociedade tecnológica onde o possível rapidamente se torna necessário. Parece que ninguém consegue viver hoje sem celular, automóvel e Internet. Ou melhor, uma vida sem essas facilidades tecnológicas parece insuficiente. Mas devemos usar a tecnologia sem nos deixarmos usar por ela.Então, ouso expandir os conselhos de Epicuro, dizendo que as coisas necessárias e não naturais devem ser usadas sem apego e sem subserviência e proponho a seguinte Matriz dos Desejos.



Quanto à corrupção da polícia, ela se justificaria, segundo o jornalista, pela carência de veículos e salários. Veículos vá lá, mas quanto aos salários cabe indagar: qual o salário necessário para saciar o desejo pelo supérfluo e pela acumulação ostentatória? Para um caráter fraco, que se avalia pelo ter, esse limite é dados pelas posses do outro. Os policiais olham para os juízes que olham para os deputados, que olham para os empresários mais abastados, que olham para os milionários, que olham uns para os outros. A inveja do ter é a mola negativa da competição. O orgulho de ser é a sua mola positiva. Nossa sociedade não é apenas mais tecnológica do que a sociedade grega dos tempos de Epicuro. Ela também é mais competitiva. Para o bem ou para o mal.

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