A administração do tempo é uma disciplina. Aliás, várias. São vários pequenos hábitos de comportamento não naturais, que, justamente por não serem naturais, precisam ser cultivados. A prática dos hábitos melhora os sentimentos, que facilitam a prática dos hábitos, num ciclo virtuoso. Da mesma forma, o desleixo dos hábitos piora os sentimentos, que dificultam a prática dos hábitos, num ciclo vicioso. A saída de um para o outro ciclo depende do sentimento dominante. A questão central é se o sentimento está à mercê de causas fortuitas ou da vontade. Não deixa de ser uma espécie de moralismo falso praticar um hábito bom sem o respectivo ânimo. Mas o sentimento, mesmo que comece como fingimento, acaba se tornando verdadeiro: quem finge dor logo estará chorando sinceramente; quem finge alegria termina rindo de verdade. Se esse auto-engano funciona, melhor fazê-lo funcionar a favor dos bons sentimentos e dos bons hábitos. Eis o segredo.
O sentimento do tempo depende da atitude da pessoa em relação a si mesma e aos outros e de suas crenças a respeito. O melhor sentimento a cultivar é a confiança.
Confiar é diferente de esperar. A confiança está além da esperança e aquém da certeza. Uma potência entre duas impotências. A esperança não age porque espera – é um confiar no além. A certeza não leva à ação, apenas ao movimento ou à contemplação daquilo que é certo e inevitável, que é apenas destino. O que resulta da certeza é apenas efeito, não chega a ser causa. Reação de um objeto e não ação de um sujeito. A confiança é que nos leva a agir apesar do risco (aliás, só há confiança se há risco, senão já seria certeza) e a mudar o curso natural das causas e dos efeitos, alterando as probabilidades a nosso favor.
Como confiar na sorte, sabendo que a dor é certa? Como confiar no outro sabendo que o mal existe? Confiantes, entramos no avião ou ligamos o computador. Confiança ou esperança? Quantos milhões de promessas precisam ser cumpridas e quantos acidentes precisam não acontecer para que o avião e a Internet funcionem?
O tal de Segredo, que vendeu muitos livros, parece ser esse: o que nos acontece depende de nossa atitude interior, que podemos aprender a controlar conscientemente. Basta confiar em si, no cosmos e nos outros que tudo conspira a favor. Ora, isso é a ingenuidade estóica do Logos, que o pensamento moderno desmascarou. Pensar que há uma ordem benfazeja (a favor do homem) no universo. Por trás desse psicologismo entusiamante está uma confiança no poder da consciência que beira a esperança. Confiança em excesso é esperança, é fé, é um pensamento mágico, loucura talvez. Nesse aspecto, fico com Epicuro: melhor não temer os deuses, e pensar que sua vontade (boa ou má) é imune à nossa influência.
Não há salvação. Não há felicidade plena. A dor é inevitável. Pode-se, no máximo, aprender a suportá-la. Esse é outro segredo. O mais bem guardado, pois ninguém ousa confessar. Até porque não queremos que nossos filhos saibam, pois, apesar de toda evidência, desejamos para eles a felicidade completa. Saber que a dor e a morte são certas, não é motivo para não buscar uma felicidade possível, por breve que seja. Não há porque desistir de tentar, mesmo sabendo disso. Confiança é exatamente o que nos livra do niilismo cético e da inação diante da dor de saber. Melhor esquecer a morte, a dor, a miséria, o mal? Não há porque esconder isso da consciência para poder confiar. Aliás, a certeza da salvação não é confiança, é fé – a crença contra a evidência. É a desconfiança (a confiança pelo avesso) que nos salva dessa loucura. Então confiança nunca pode ser demais, senão vira esperança e fé. E nunca pode ser de menos, senão vira certeza contemplativa e tédio. Não há salvação senão buscar o equilíbrio, sempre instável, sempre tênue, sempre difícil, porque impossível.
Um comentário:
Jaime. A matéria Confiança está muito boa e foi muito importante para minha reflexão. Além disso, o seu livro A Arte de Planejar o Tempo e o método PowerSelf também são excelentes. Parabéns pela edição da matéria e pela qualidade do do sistema.
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