Resolvi reeditar um artigo que escrevi em 2005 para o Baguete acrescentando uma linha ao meu ideologímetro. Segue:
As pessoas se declaram de esquerda ou direita, mais por
afinidade do que por qualquer outra coisa. Seja por afinidade de interesses ou
afetiva, o posicionamento político é muito mais emocional do que racional: um
perfilamento simpático – ou uma rejeição antipática – a pessoas, mais do que a
ideias. Uma variante deste posicionamento diz respeito ao poder. Quem defende
quem está no poder é de direita, quem o contesta é de esquerda.
Falar em esquerda e direita condiciona um pensamento linear
em uma única dimensão. Em relação a ideias, o conceito de esquerda e direita é
bem mais complexo do que quer o senso comum. Por exemplo, de maneira geral,
considera-se uma linha em que um liberal está à esquerda de um conservador e à
direita de um socialista, com o anarquista ainda mais à esquerda. Entretanto, o
pensamento conservador tem muitas afinidades com o socialista, pela ênfase na
ordem e na segurança, enquanto o pensamento liberal converge com o anarquista
na sua valorização da liberdade individual como princípio máximo e na sua
desconfiança em
relação ao Estado.
O problema, no meu entender, é que a divisão entre esquerda
e direita se dá em vários eixos e, se pararem para avaliar, as pessoas irão se
reconhecer bem mais à direita do que admitem. Para isso desenvolvi um
ideologímetro. Marque no ideologímetro abaixo onde você se situa:
Comunidade
______________|______________ Indivíduo
Igualdade ______________|______________ Liberdade
Segurança ______________|______________ Risco
Planificação ______________|______________
Competição
Uniformidade ______________|______________ Diversidade
Ordem ______________|______________ Caos
Ideológica e politicamente, declaro-me um radical de centro,
com tendências para a direita. Muitos pensam que estou fazendo blague, pois
acham que radicalismo pressupõe posição extremada. Mas a palavra
"radical" vem de raiz. Radical é quem vai à raiz do problema. Isso
requer disposição, tempo e disciplina para refletir e analisar todos os lados
da questão, suspendendo o julgamento passional interessado. Quem se declara
comumente radical, ao contrário, adota uma posição fortemente afetiva, baseada
em sentimentos e não em análise. O radical convencional não afirma ideias,
opõe-se a pessoas ou grupos que considera diferentes de si, mais por simpatia
ou antipatia, baseadas em sentimento ou trauma, do que por raciocínio. E a raiz
de todo problema político está na paixão cega de quem defende o seu lado – no
qual supõe toda a virtude – e joga no outro lado todo vício. Isso se chama
maniqueísmo. Esta paixão é veemente. Portanto, o radical convencional é aquele
que é veemente na defesa do interesse próprio, que sempre é racionalizado como
se fosse interesse comum.
Aliás, a veemência é a única característica do radical comum
que eu procuro manter. Mas prefiro defender veemente e apaixonadamente o
direito que todos (eu e os outros) temos de lutar pelos próprios interesses,
respeitando o direito dos outros de fazer o mesmo.
O todo é mais do que a soma das partes. Portanto, o
interesse individual deve se subordinar ao interesse coletivo. Mas não existe
tal coisa como “o” interesse coletivo, “o” bem comum, “a” vontade geral como
queria Rousseau. O interesse coletivo surge da negociação dos interesses
individuais. Não se trata de defender os fins, mas sim de assegurar os meios
para que essa negociação de interesses se efetue. A isso se chama Estado de Direito.
O grande engano de Platão foi o de jogar a ética para um
plano metafísico, ao afirmar um Bem absoluto, inventando a praga do idealismo.
Ética não é coisa de deuses desapegados, é coisa de homens interessados. Há que
reconhecer que todos têm interesses próprios e que a sua defesa é sempre
legítima. Não é uma questão de fins. Danem-se os fins. Os meios é que são
éticos. Se o mal existe, ele se chama violência: o uso da força. O que há de
terrível na sentença de Maquiavel, de que os fins justificam os meios, é que
ela sanciona a violência.
O uso da força permite ao forte impor suas idéias e manter o
poder. Pode-se pedir ao mais forte que não use a sua força? Sim, mas isso é
antinatural. O forte só deixará de usar a sua força por temer a união dos mais
fracos. É neste pudor ou nesta repressão do uso da força do mais forte que se
baseia o Estado de Direito.
Mas isso pode facilmente descambar para a ditadura dos mais
fracos – a ditadura do rebanho que, de fato, é sempre uma ditadura de pastores
disfarçada. Foi essa a grande revolução dos séculos XIX e XX, comandada por
Nietzsche e Freud: a reabilitação da potência do indivíduo, o uso consciente
das forças instintivas do indivíduo como critério maior de verdade e valor.
Para o socialista, todos os homens são iguais, mas, quando
estão no poder, uns acabam sendo mais iguais do que os outros. Os liberais
defendem a livre circulação de riquezas, mas, de preferência, num sentido só.
Socialismo e liberalismo são utopias – coisas de idealistas.
Idealista é quem acha que sabe o que é melhor para todos. E eu tenho muito
receio de quem pensa que sabe o que é melhor para os outros, a despeito deles
mesmos. Idealistas querem o poder para colocar em prática suas ideias, o que
não deixa de ser um interesse próprio. Defender o interesse próprio é legítimo,
desde que se reconheça ao outro o mesmo direito. Nisso, no quesito democracia,
o pensamento liberal é melhor do que o socialista.