Quando adolescente trabalhei no cartório do meu pai.
Registro Civil: nascimentos, casamentos e óbitos. Os grandes eventos do drama
humano registrados fria e uniformemente em letra miúda e livros enormes. Creio
que é de lá o hábito de pensar sobre nomes – a única coisa agradável naquele
trabalho.
Dia desses tive novamente de lidar com a burocracia massiva
ao assinar centenas de documentos de pessoas. Chamaram minha atenção dois
sobrenomes. Um era Fulano Teixeira de Mello Silva Neto[1], o
outro Beltrano Neto da Silva.
Dar o próprio nome ao filho é uma reafirmação explícita da
vontade de transcendência que já seria satisfeita pelo próprio fato de ter um
filho. Certamente é uma manifestação de orgulho e auto-estima, cujo mérito
parece ser confirmado pela aquiescência do parceiro. Para alguns críticos, tal
orgulho é sinal de arrogância. Sem entrar em qualquer mérito, sempre que
conheço um Filho ou Júnior, automaticamente penso num pai orgulhoso e numa mãe
amorosa ou condescendente. Um Neto então me leva a conjecturas
trans-geracionais e é isso que quero compartilhar.
Provavelmente, o Fulano Silva Neto deve ser filho do Fulano
Teixeira de Mello Silva Filho. A própria composição de sobrenomes já indica o
orgulho de pertencer a uma dinastia patriarcal. “Você sabe com quem está
falando? Eu sou neto do Fulano Teixeira de Mello e Silva.”
Em tempos em que a mudança é a regra, a tradição não deveria
se sustentar. Ou, talvez paradoxalmente, seja vista como inovação, como
diferente. Pelo menos por um tempo. Mas também vivemos tempos em que a fama
substituiu a glória e a honra. Mesmo que os feitos do antepassado estejam
esquecidos pela memória coletiva, um nome composto sugere pompa e pompa se
confunde facilmente com fama. O sujeito deve ser famoso.
Mas deixemos de lado o Silva Neto. O que dizer do Neto da
Silva? Que certamente esta família passou pela história (ou tragédia) decantada
pelo adágio: “pai rico, filho nobre, neto pobre” e, poderíamos acrescentar:
bisneto ignorante. O Neto da Silva ignora quem na sua família foi neto de quem,
e qual escrivão igualmente ignorante incorporou ao nome da mãe a pompa que se
perdeu a seguir.
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