sábado, 13 de junho de 2015
Tempo Hormonal
A percepção do tempo é muito mais hormonal do que de racional. É fato que os jovens têm mais pressa do que os velhos. Parece natural que eles desejem que o tempo passe mais rápido para chegar à maturidade e que os velhos queiram que o tempo pare para adiar a morte. Mas o tempo e o envelhecimento não se aceleram por um ato de vontade. O único efeito da pressa é a agitação e a pressão por fazer mais coisas, mais rápido. Essa pressão deveria ser maior quanto menor o prazo. A lógica inverte o raciocínio do sentimento natural: quem deveria ter pressa de realizar mais coisas seriam os mais velhos que têm menos prazo e os jovens deveriam ter calma, pois seu prazo é mais longo.
Neto da Silva
Quando adolescente trabalhei no cartório do meu pai.
Registro Civil: nascimentos, casamentos e óbitos. Os grandes eventos do drama
humano registrados fria e uniformemente em letra miúda e livros enormes. Creio
que é de lá o hábito de pensar sobre nomes – a única coisa agradável naquele
trabalho.
Dia desses tive novamente de lidar com a burocracia massiva
ao assinar centenas de documentos de pessoas. Chamaram minha atenção dois
sobrenomes. Um era Fulano Teixeira de Mello Silva Neto[1], o
outro Beltrano Neto da Silva.
Dar o próprio nome ao filho é uma reafirmação explícita da
vontade de transcendência que já seria satisfeita pelo próprio fato de ter um
filho. Certamente é uma manifestação de orgulho e auto-estima, cujo mérito
parece ser confirmado pela aquiescência do parceiro. Para alguns críticos, tal
orgulho é sinal de arrogância. Sem entrar em qualquer mérito, sempre que
conheço um Filho ou Júnior, automaticamente penso num pai orgulhoso e numa mãe
amorosa ou condescendente. Um Neto então me leva a conjecturas
trans-geracionais e é isso que quero compartilhar.
Provavelmente, o Fulano Silva Neto deve ser filho do Fulano
Teixeira de Mello Silva Filho. A própria composição de sobrenomes já indica o
orgulho de pertencer a uma dinastia patriarcal. “Você sabe com quem está
falando? Eu sou neto do Fulano Teixeira de Mello e Silva.”
Em tempos em que a mudança é a regra, a tradição não deveria
se sustentar. Ou, talvez paradoxalmente, seja vista como inovação, como
diferente. Pelo menos por um tempo. Mas também vivemos tempos em que a fama
substituiu a glória e a honra. Mesmo que os feitos do antepassado estejam
esquecidos pela memória coletiva, um nome composto sugere pompa e pompa se
confunde facilmente com fama. O sujeito deve ser famoso.
Mas deixemos de lado o Silva Neto. O que dizer do Neto da
Silva? Que certamente esta família passou pela história (ou tragédia) decantada
pelo adágio: “pai rico, filho nobre, neto pobre” e, poderíamos acrescentar:
bisneto ignorante. O Neto da Silva ignora quem na sua família foi neto de quem,
e qual escrivão igualmente ignorante incorporou ao nome da mãe a pompa que se
perdeu a seguir.
Assinar:
Postagens (Atom)