A tecnologia converge mais rápido do que as culturas e as políticas. Aliás, vai na frente e as determina.
TI, Telecom e Mídia se desenvolveram com características distintas e agora se fundem pela convergência propiciada pela tecnologia digital. Diante da nova realidade tecnológica, três culturas se conciliam, buscam complementaridades e contornam conflitos. A convergência da convergência, por mais que os ideólogos resistam, acaba sendo a Internet. Os distintos modelos de negócios usuais nas indústrias de TI, Telecom e mídia também convergem na Internet.
Os três mundos e suas convergências podem ser divididos em três níveis horizontais e três setores complementares, identificados nas colunas da tabela abaixo.
Níveis \ Setores Tecnologia Produto Atividade
Terciário Uso Rede Serviço
Secundário Produção Equipamento Indústria
Primário Desenvolvimento Componente Pesquisa
A convergência evoluiu do nível primário para o terciário, mas agora é puxada pelo nível superior. O setor de atividade mais dinâmico da economia é o de serviços, que puxa e comanda o desenvolvimento dos níveis inferiores. A rede convergente, por excelência, é a Internet, e seus novos usos engendram o surgimento de novos serviços.
O mundo Telecom surgiu e viveu à sombra do estado, pois a propriedade do principal insumo, o meio de comunicação, é pública. A exploração econômica do serviço, ou é feita diretamente pelo estado em regime de monopólio (modelo europeu), ou é concedida a determinados grupos numa competição regulada (modelo americano predominante). A importância do planejamento, da padronização e do lobby decorrem daí, bem como a possibilidade de corrupção e desvios éticos. A possibilidade de cartelização e de cooptação das agências reguladoras são tendências permanentemente combatidas e denunciadas. De qualquer forma, a competição no setor é intrinsecamente imperfeita, pois há barreiras de entrada naturais em relação ao porte das empresas.
A TI nasceu e se desenvolveu sob o paradigma da inovação, incorporando radicalmente a ideologia da livre competição liberal. Fermentada na academia inovadora, foi inseminada pelo empreendedorismo e alavancada pelo capital de risco. A pulverização do mercado de TI em miríades de nichos e empresas é bem distinta da estrutura do mercado tradicional de Telecom, demonstrando uma situação concorrencial mais salutar. Os valores do empreendedorismo, liberdade individual e de igualdade de oportunidades temperados pela globalização se constituem num verdadeiro inferno para governos, e entidades controladoras, criando enormes resistências a tentativas de regulação. Entretanto, a tendência à padronização de plataformas cria monopólios de fato que se aproveitam do enfraquecimento político dos governos. Incentiva-se então uma corrida de marketing mais do que tecnológica para a adoção de padrões de fato. A corrida é para ser “o” padrão de mercado que conta mais do que o lucro para a valorização da empresa. Nesta corrida, ser o primeiro importa mais do que ser o melhor. A inovação como um valor em si acelerou a obsolescência ao ponto de comoditizar a tecnologia. O conhecimento e sua produção, de diferencial que era, passou a ser requisito mínimo.
O negócio de mídia é o mais antigo dos três (jornal), mas foi o último a ser tragado pelo redemoinho da convergência. Em comum com a Telecom, o negócio de mídia tem uma estreita relação com os governos, constituindo-se num verdadeiro quarto poder dos estados democráticos. Em comum com a TI, o negócio de mídia se nutre da competição e da inovação, se não da forma, pelo menos do conteúdo: a moda, a notícia, a novidade.
Traçado esse pano de fundo, vejamos os modelos de negócios típicos de cada setor.
Os clientes de telecom são usuários que pagam uma mensalidade. A mensalidade se constitui de uma assinatura que dá direito a uma franquia de serviços/recursos e de um adicional variável caso o uso dos serviços/recursos ultrapasse a franquia. Tem-se então uma série de valores de taxas unitárias de uso de recursos que são multiplicadas pelo uso efetivo para chegar ao valor do serviço adicional. Essas taxas têm, tradicionalmente, tetos máximos fixados pela autoridade reguladora do poder concedente. Também é necessário que os fornecedores disponham de um sistema de medição de uso transparente e passível de fiscalização. A idéia é de que o serviço seja prestado ao grande público para garantir o retorno do investimento inicial elevado. A escala é garantida pela regulação da concorrência e, em paralelo, pelo tabelamento dos preços, paradigma que tem sido colocado em cheque pelo barateamento das novas alternativas tecnológicas e pela quase total amortização da malha de distribuição mais cara e mais antiga. A idéia de ter usuários cativos “ad aeternum”, verdadeiros reféns de fornecedores monopolistas, pode talvez revoltar alguns, mas certamente desperta a cobiça de todos. Diz o adágio: todo monopólio é odioso, menos o meu.
Antes da Internet, a TI tinha dois modelos de negócio. Um é o modelo de serviços tradicionais de cobrar por hora/homem medida ou empreitada, usada desenvolvimento de software por encomenda, sendo comum, após o desenvolvimento, um Contrato de Suporte e Manutenção, com direito a uma franquia de horas/homem para garantir a atualização do software. O segundo modelo de negócios é o da licença de uso. Neste caso, o software é considerado uma propriedade intelectual, uma obra cujo uso é licenciado. Normalmente, a licença é renovada periodicamente e dá direito a novas versões. Nestes dois modelos tradicionais o software é disponibilizado num meio físico (disco) e é instalado no computador do cliente. A Internet trouxe uma nova forma de transporte (o download) que dispensa o meio físico.
Mas a Internet possibilitou ainda um novo modelo de negócios para a venda de software que significa uma verdadeira mudança paradigmática. Na Internet, vários fornecedores passaram a disponibilizar seus softwares segundo o modelo ASP (Application Service Provider). Neste caso, o software reside fisicamente num servidor do fornecedor e é acessado pelo usuário através do seu browser de Internet padrão, o mesmo que ele usa para navegar na web. Note-se que não há mais necessidade de uma mercadoria a ser transportada (nem mesmo eletronicamente) ou transacionada. A mercadoria torna-se serviço, o cliente torna-se usuário, o fornecedor torna-se provedor. O modelo da telecom de franquias e adicionais abre-se ao fornecedor de software que agora pode baratear seus preços, tendo à sua disposição uma comunidade de usuários virtualmente ilimitada. “Só” é preciso ficar conhecido – de novo o marketing.
Na indústria de mídia, afora os veículos de propriedade do estado, que têm uma subvenção, o modelo de negócios tradicional é o do jornal. O custeio da produção e distribuição da informação é coberto por duas fontes de renda: assinatura (dos clientes) e publicidade (dos anunciantes). A produção de conteúdo também se divide em conteúdo informativo e conteúdo de caráter comercial ou promocional, ambas de interesse público. Ora, na medida em que o conteúdo se torna mais comercial e os veículos mais segmentados, a tendência é de que a assinatura se torne menos significativa e a verba publicitária maior. O que é “vendido” então para o anunciante é o próprio usuário. A verba publicitária é tão maior quanto maior a circulação ou a audiência do veículo.
Ora, a Internet é também uma nova mídia, e qualquer site, não só dos provedores de conteúdo tradicional mas também dos provedores de serviços e ASPs, tem a “audiência” dos seus usuários. Novos serviços informáticos “gratuitos” de grande utilidade atraem milhões de usuários que são “vendidos” a grandes e pequenos anunciantes de banners. Uma quantidade enorme de pequenos anunciantes (a “long tail”) agora tem mais uma forma de publicidade nos Links e Contextos Patrocinados, inovação no modelo de negócios de mídia trazida pela Internet. Basicamente, os anunciantes “compram” palavras ou dão um lance por clique. Um site qualquer pode permitir que o seu conteúdo seja varrido por uma ferramenta que assinala as palavras compradas, as quais se tornam links que, uma vez clicados, abrem um pop-up do anunciante ou encaminham para o seu site. Alternativamente, um site de busca ou conteúdo pode apresentar janelas de publicidade em que a ordem de aparecimento depende de um ranking estabelecido pelo número de cliques recebido multiplicado pelo valor do clique daquele anunciante.
A Internet, portanto é o mercado convergente por excelência. O processo de convergência é fluído, as cartas não estão dadas e o jogo não está jogado. A vantagem do ganhador de hoje não lhe assegura a vitória amanhã. Múltiplas tecnologias, múltiplos modelos de negócio, múltiplas culturas e múltiplos valores. Dentro dessa multiplicidade, a clareza de alternativas se anuvia. Espero ter contribuído para esclarecer o panorama, mas tudo pode mudar amanhã. O bom é que a escolha cabe a cada um, e os riscos também.
sábado, 17 de novembro de 2007
Muito é Demais ou Dois Segredos
O que é demais é muito e o que é pouco falta. Haverá algo que escape a essa lei?
Talvez a dor, a maldade e a desgraça pudessem sumir sem deixar saudade. Será? “Desgraça pouca é bobagem”, obviamente, é uma blague para reforçar o ânimo. Mas a vida no Éden seria mesmo tão boa? Adão e Eva eram felizes ou idiotas? A felicidade do desfrute do bem abundante ensina alguma coisa? Ou a tragédia humana é exatamente a sua grandeza: constatar que o mal e a dor são inevitáveis, e persistir. Mas não é exatamente porque o bem e o prazer são raros, que escolher um e desfrutar o outro é sublime? A eterna (porque seu fim é impossível) busca do melhor em nós – não é a essência do crescimento e da sabedoria? Por que o fim é impossível? Porque há que reconhecer que o acaso não nos prefere a nada, que Deus, se existe, é indiferente. Porque há que reconhecer que a fonte de toda maldade é esse amor próprio, essa preferência pelo próximo em detrimento do distante, essa luta pela sobrevivência da vida que é a nossa própria essência, e que nos leva a persistir nela. Há que reconhecer que o mal está em nós. Há que reconhecer, enfim, que toda essa luta é vã, porque o fim certo é a morte. Se o fim é impossível, a busca é um fim em si. Reconhecer isso talvez possa nos reconciliar com a dor, a maldade e a desgraça, e aceitá-las como adversárias necessárias. Se a luta é um fim em si, há que agradecer ao inimigo que a possibilita. Busca eterna, luta eterna, eterna tragédia de Sísifo e Atlas. Trata-se de trilhar o caminho mais do que chegar ao destino. De mirar bem, mais do que acertar o alvo. De buscar o equilíbrio e o balanço mais do que a perfeição. Porque perfeição é demais.
E a confiança? Não seria um caso em que o excesso nunca é demais? Confiança: além da esperança e aquém da certeza. Uma potência entre duas impotências. A esperança não age porque espera – é um confiar no além. A certeza não leva à ação, apenas ao movimento e à contemplação. O que resulta da certeza é efeito, não causa – reação de um objeto e não ação de um sujeito. A confiança é que nos leva a agir apesar do risco (aliás, só há confiança se há risco, senão já seria certeza) e a mudar o curso natural das causas e dos efeitos, alterando as probabilidades a nosso favor. Como confiar na sorte, sabendo que a dor é certa? Como confiar no outro sabendo que o mal existe? Entramos no avião confiantes. Ligamos o computador confiantes. Confiança ou esperança? Quantos milhões de promessas precisam ser cumpridas e quantos acidentes precisam não acontecer para que o avião e a Internet funcionem? O tal de Segredo parece ser esse: o que nos acontece depende de nossa atitude interior, que podemos aprender a controlar conscientemente. Basta confiar em si, no cosmos e nos outros que tudo conspira a favor. Ora, isso é a ingenuidade estóica do Logos, que o pensamento moderno desmascarou. A sabedoria dos antigos, embora sábia, era ingênua. Por trás desse pcicologismo entusiamante está uma confiança no poder da consciência que beira a esperança. Confiança em excesso é esperança, é fé, é um pensamento mágico, uma crença acima de toda evidência: loucura, em suma.
Não há salvação. Não há felicidade plena. Esse é o outro segredo. O mais bem guardado, pois ninguém ousa confessar. Até porque não queremos que nossos filhos saibam, pois, apesar de toda evidência, desejamos para eles a felicidade completa. Não há porque desistir de tentar, mesmo sabendo disso. Confiança é exatamente o que nos livra do niilismo cético e da inação diante da dor de saber. Melhor esquecer? Não há porque esconder isso da consciência para confiar. Aliás, a certeza da salvação não é confiança, é fé – a crença contra a evidência. É a desconfiança (a confiança pelo avesso) que nos salva dessa loucura. Então confiança nunca pode ser demais, senão vira esperança. E nunca pode ser de menos, senão vira certeza contemplativa. Não há salvação senão buscar o equilíbrio, sempre instável, sempre tênue, sempre difícil, porque impossível.
Talvez a dor, a maldade e a desgraça pudessem sumir sem deixar saudade. Será? “Desgraça pouca é bobagem”, obviamente, é uma blague para reforçar o ânimo. Mas a vida no Éden seria mesmo tão boa? Adão e Eva eram felizes ou idiotas? A felicidade do desfrute do bem abundante ensina alguma coisa? Ou a tragédia humana é exatamente a sua grandeza: constatar que o mal e a dor são inevitáveis, e persistir. Mas não é exatamente porque o bem e o prazer são raros, que escolher um e desfrutar o outro é sublime? A eterna (porque seu fim é impossível) busca do melhor em nós – não é a essência do crescimento e da sabedoria? Por que o fim é impossível? Porque há que reconhecer que o acaso não nos prefere a nada, que Deus, se existe, é indiferente. Porque há que reconhecer que a fonte de toda maldade é esse amor próprio, essa preferência pelo próximo em detrimento do distante, essa luta pela sobrevivência da vida que é a nossa própria essência, e que nos leva a persistir nela. Há que reconhecer que o mal está em nós. Há que reconhecer, enfim, que toda essa luta é vã, porque o fim certo é a morte. Se o fim é impossível, a busca é um fim em si. Reconhecer isso talvez possa nos reconciliar com a dor, a maldade e a desgraça, e aceitá-las como adversárias necessárias. Se a luta é um fim em si, há que agradecer ao inimigo que a possibilita. Busca eterna, luta eterna, eterna tragédia de Sísifo e Atlas. Trata-se de trilhar o caminho mais do que chegar ao destino. De mirar bem, mais do que acertar o alvo. De buscar o equilíbrio e o balanço mais do que a perfeição. Porque perfeição é demais.
E a confiança? Não seria um caso em que o excesso nunca é demais? Confiança: além da esperança e aquém da certeza. Uma potência entre duas impotências. A esperança não age porque espera – é um confiar no além. A certeza não leva à ação, apenas ao movimento e à contemplação. O que resulta da certeza é efeito, não causa – reação de um objeto e não ação de um sujeito. A confiança é que nos leva a agir apesar do risco (aliás, só há confiança se há risco, senão já seria certeza) e a mudar o curso natural das causas e dos efeitos, alterando as probabilidades a nosso favor. Como confiar na sorte, sabendo que a dor é certa? Como confiar no outro sabendo que o mal existe? Entramos no avião confiantes. Ligamos o computador confiantes. Confiança ou esperança? Quantos milhões de promessas precisam ser cumpridas e quantos acidentes precisam não acontecer para que o avião e a Internet funcionem? O tal de Segredo parece ser esse: o que nos acontece depende de nossa atitude interior, que podemos aprender a controlar conscientemente. Basta confiar em si, no cosmos e nos outros que tudo conspira a favor. Ora, isso é a ingenuidade estóica do Logos, que o pensamento moderno desmascarou. A sabedoria dos antigos, embora sábia, era ingênua. Por trás desse pcicologismo entusiamante está uma confiança no poder da consciência que beira a esperança. Confiança em excesso é esperança, é fé, é um pensamento mágico, uma crença acima de toda evidência: loucura, em suma.
Não há salvação. Não há felicidade plena. Esse é o outro segredo. O mais bem guardado, pois ninguém ousa confessar. Até porque não queremos que nossos filhos saibam, pois, apesar de toda evidência, desejamos para eles a felicidade completa. Não há porque desistir de tentar, mesmo sabendo disso. Confiança é exatamente o que nos livra do niilismo cético e da inação diante da dor de saber. Melhor esquecer? Não há porque esconder isso da consciência para confiar. Aliás, a certeza da salvação não é confiança, é fé – a crença contra a evidência. É a desconfiança (a confiança pelo avesso) que nos salva dessa loucura. Então confiança nunca pode ser demais, senão vira esperança. E nunca pode ser de menos, senão vira certeza contemplativa. Não há salvação senão buscar o equilíbrio, sempre instável, sempre tênue, sempre difícil, porque impossível.
Assinar:
Postagens (Atom)