A criança olha, o adulto vê. Ver é reconhecer, olhar é captar. Há algo mais atento do que o olhar de uma criança de colo? Atenção pura, percepção pura, puro presente, presença total. "Ao lado disso, o restante da nossa vida nos parecerá coisa de segunda mão ou emprestada, como algo um tanto sem viço, usado, desgastado", diz André comte-Sponville. Felizes dos que mantêm essa capacidade infantil do olhar atento que se surpreende com o mundo. Pobres dos que aprendem a ver, a selecionar o que faz sentido, o que se enquadra no conhecido, e a descartar o resto.
Para a criança, basta inclinar a cabeça e tudo muda. Porque muda o todo. Encantamento, mágica, fruição da percepção: o novo, o diferente, acolhidos com um sorriso. A criança olha o todo. O detalhe que muda, efetua a mudança do todo. O adulto analisa: uma parte mudou, o resto não. Sabedoria? Ou ignorância dos efeitos holísticos? Olho e não vejo. Está lá mas não reconheço. Porque minha atenção se volta toda para aquilo que, no olhar, reconheço. O brilho do que vejo ofusca o resto e me cega. Aprender a ver, desaprender a olhar.
Amadurecer. Afirmar. Não ver, por rejeitar. Olhar que não quer ver. Olhar estúpido. Estúpido porque não é amoroso, gentil, acolhedor. Porque é seletivo, porque rejeita. Olhar militante. Olhar que nega, nega reconhecimento, nega acolhida. Olhar duro, olhar arguto, olhar de rapina: fixo no objetivo. Rejeita tudo o mais.
Envelhecer. Olhar sem ver. Olhar estúpido. Não é que nada reconheça, mas sim que nada o surpreende. Tédio que supõe conhecer tudo ou que não quer conhecer mais nada. Cansaço da surpresa. Enfado de quem não quer mais nada de novo. Enfaro, rejeição do aprendizado, vontade de ignorar tudo. Desejo do nada. Vontade de morte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário