Há tempos descobri o óbvio: que o Bem nada mais é do que felicidade; e que a finalidade da vida, da ética e de todas as ciências humanas é conseguir tornar o homem o mais feliz possível. Demorei porque essa evidência estava esquecida, ou melhor, escondida por trás de tantos outros aprendizados supérfluos dos meios para atingir a tal felicidade. Menos mal. Há quem não o saiba. Pior: há quem tente fazer o bem causando infelicidade. Talvez porque se confundam como eu.
Porque então meu problema se tornou um conflito entre duas felicidades complementares que pareciam anular-se: desfrutar o prazer ou cumprir o dever. Curtir um prazer parecia implicar a transgressão de um dever. Cumprir um dever quase sempre significava adiar ou evitar um prazer. Durante muito tempo equilibrei-me num meio termo hesitante entre um hedonismo evidente e real e um moralismo virtuoso e ideal. Educado que fui, tendia mais para o moralismo. Mal educado (ou honesto) que sou nunca deixei de reconhecer o prazer. Entretanto, o pressentimento (mais do que a advertência) de que Tanatos segue na esteira de Eros sempre me serviu de freio. Mas nunca neguei outro pressentimento maior: quem governa é a emoção, não a razão.
Nós humanos somos muito ciosos de nossa cultura e de nossa liberdade “superiores” sem ver que tudo se resume a uma propensão homeostática, um dispêndio de energia visando à manutenção de um equilíbrio impossível ao sabor de mudanças inevitáveis.
Pilotado aqui de dentro parece que este corpo, este momento e este lugar (ou esse país, esse time, essa raça, essa espécie) são melhores, porque são mais... Mais o que? Presentes, reais, sensíveis. Miopia das sensações, ilusões de ótica que os óculos da razão tentam corrigir em vão.
A razão diz que no final da aventura humana, como no final de qualquer vida: nada. Ou melhor, tudo continua mudando como dantes, sem mensagem, sem significado, sem salvação. Se o genoma humano fosse intrinsecamente melhor do ponto de vista da sobrevivência, a evolução se encarregaria de fazer com que todos os genomas se tornassem humanos e não haveria mais minhocas nem baratas, nem amebas. Do ponto de vista da sobrevivência, se é isso que significa a salvação, aposto mais nas amebas do que nos homens.
Então não há porque adiar o prazer. Mas também não há porque torná-lo um vício. Esta é a sabedoria dos antigos que retorna num mundo sem Deus, sem esperança e sem sentido.