Vivemos o paradoxo de duas perspectivas (local e universal) e entre verdades opostas.
Do ponto de vista local e particular, a Lei da Selva é a verdade: "o mais forte (ou rápido) come o mais fraco (ou lento)". Ao seu lado, a Lei de Gerson se impõe: "eu antes". Na perspectiva individual, o egoísmo é um dado do real. Se não do animal, do gene. Quando se radicaliza na vertente de Darwin, o egoísmo se torna moral: utilitarismo. O gene que não pensa e opera segundo as leis da natureza produz moralidade e racionalidade no homem.
Leis da natureza? A perspectiva universal, o ponto de vista da eternidade (porque a realidade é eterna), inverte a verdade individual. Aqui impera a Lei Áurea - "não faz ao outro o que não queres que te façam" - e seu corolário, a Lei da Colheita: "colhes o que semeias". Quando o homem começa a plantar e pastorear começa a moral. Talvez por medo de outro mais forte, o forte não abate o fraco. Medo: moral de rebanho. Se se aprende a moral por medo e acata-se a lei por submissão ou prudência, pode-se depois compreendê-la através do conhecimento e adotá-la por opção. Aí, a moral do rebanho se torna uma ética indivídual e racional. Aí, a Lei Áurea encontra sua versão positiva: "faz ao outro o que queres que te façam". Uma ética de ação, e não uma moral de repressão. Chega-se ao ensinamento de Cristo: "ama ao outro como a ti mesmo". E, acrescente-se, não fica na intenção, demonstra esse amor por atos.
Na perspectiva da eternidade, também se inverte a métrica da valorização egoísta e imediatista. O eu, o aqui e o agora deixam de imperar. Na calma da apreciação, adquire-se a capacidade da transcendência: o todo vale mais do que a parte. Se é bom para mim e não é bom para a minha família, não é bom para mim. Se é bom para a minha família e não é bom para o meu povo, não é bom para a minha família. Se é bom para o meu povo e não é bom para a humanidade, não é bom para o meu povo. Chega-se à perspectiva ecológica: se é bom para a humanidade e não é bom para o planeta (Gaia?), não é bom para a humanidade.
Mas quem pode viver acima das nuvens? Quem tem calma para avaliar? O presente, cada vez mais instante, nos chama e nos prende na circunstância imediata. É nesta circunstância presente e local que se vive. Com urgência, mais do que calma, espicaçados por um sem número de demandas e oportunidade, encontros e desencontros. Neste mundo sem tempo para pensar, a lógica é local, a lei é a da selva e o valor maior é o eu. Será que o gene egoísta conseguirá sobreviver? Não percamos a esperança: depois que as idéias e o idealismo perderam a força, os baluartes da moral são defendidos pelos genes, e o utilitarismo resiste.
terça-feira, 5 de junho de 2007
domingo, 3 de junho de 2007
Dinheiro, Poder e Amor
Dinheiro todo mundo sabe o que é, mas o que significa? Meio de troca, reserva de valor, unidade de contabilização. Vários e distintos conceitos, todos aplicáveis, nem sempre inteligíveis. Um amigo diz que o valor da pessoa é dado pelo seu saldo bancário. Respondo que isso só seria verdade se todas as trocas fossem justas e imediatas e que via pelo menos dois tipos de trocas injustas: a violência e o amor.
Violência: o forte impõe, e o fraco aceita (ou até propõe, por fraqueza) o desrespeito ao seu interesse. Nietzsche diria que isso dá exatamente a medida do valor ético (diferente do valor moral) de cada um. O fraco pode ser moral (por medo) mas não ético (por consciência do seu valor). Quem não vê valor em si mesmo, não se reconhece como árbitro legítimo dos seus valores e os buscará na opinião dos outros - os fortes, que se reconhecem como e se constituem em fonte de valor. Para Nietzsche o amor-próprio é a fonte de todo valor - e de toda força, o que para ele é a mesma coisa. Idealizado ou cínico, o poder se impõe pela força e se justifica pela sua eficácia, política boa é a que triunfa. O cinismo político de Maquiavel diz tudo: os fins justificam os meios, e o fim é a vitória. A moral da política não é a moral da virtude. A moral da política é a vitória. Injustiça pois, que seja: o ganho de um e a perda de outro é a própria afirmação do poder quando se constitui em valor.
E o amor? Como pode ser injusto se é absolutamente voluntário? Ora, o termo voluntário é empregado em dois sentidos. Num, designa o próprio agir (por oposição ao reagir): a escolha livre, consciente e responsável de um ato. No outro, vai mais além para designar a ação livre, consciente e responsável, sim, mas desinteressada ademais. Neste segundo sentido só é voluntária a ação que não visa o interesse próprio e o benefício imediato ou individual. O trabalho voluntário não pode ser remunerado. Dar sem esperar retribuição: injustiça, pois. Nada mais voluntário neste sentido do que o amor. Amor digo, não desejo. Nietzsche diria que só uma alma forte é capaz de um amor assim, totalmente independente e desinteressado. Poder-se-ia objetar, e com razão, que tal ato amoroso não é desprovido de interesse, que os interesses (valores) que o movem são de uma ordem maior, mas ainda individuais, têm sua fonte no próprio indivíduo (forte) que age e não no objeto. Amor digo de novo, não altruísmo. Só um eu forte para se libertar do peso do "caro eu", aquela fonte de engano das ilusões de ótica que privilegiam o aqui, o agora e o eu (narcísico), e simplesmente amar. Amor, a virtude mor, ou a essência de todas elas: o sentimento é tudo, a intenção basta, a conquista não é o objetivo. O poder é forte e conquista o que deseja, o que lhe falta. A virtude é boa e o amor é pleno, nada pede, nada quer, nada lhe falta. Em ética, virtude é tudo, poder não é nada.
Duas injustiças então, dizia eu: violência e amor. O desrespeito ao interesse do outro e o desrespeito ao interesse próprio (no sentido imediato). Nas trocas entre o poder violento e a virtude amorosa, o saldo pende para o primeiro. O saldo bancário, bem entendido. Talvez, para Nietzsche e Ayn Rand, para quem poder e valor se igualam e que vêm o egoísmo como fonte do bem, o valor da pessoa seria então esse saldo. Mas para Jesus, Spinoza e Diógenes, valor é ética, poder é outra coisa, e para eles, o egoísmo é a fonte de todo mal e de todo erro, e só o amor constrói, e o valor seria então o inverso do saldo bancário.
Onde a verdade? Você escolhe. No fim, uma questão de opinião e de gosto, pois qualquer raciocínio em termos de juízos de valor chega aonde partiu. Meu amigo está certo do seu ponto de vista, ele escolhe o poder como critério de valor. Meu amigo está errado do meu ponto de vista, eu escolho a virtude.
Violência: o forte impõe, e o fraco aceita (ou até propõe, por fraqueza) o desrespeito ao seu interesse. Nietzsche diria que isso dá exatamente a medida do valor ético (diferente do valor moral) de cada um. O fraco pode ser moral (por medo) mas não ético (por consciência do seu valor). Quem não vê valor em si mesmo, não se reconhece como árbitro legítimo dos seus valores e os buscará na opinião dos outros - os fortes, que se reconhecem como e se constituem em fonte de valor. Para Nietzsche o amor-próprio é a fonte de todo valor - e de toda força, o que para ele é a mesma coisa. Idealizado ou cínico, o poder se impõe pela força e se justifica pela sua eficácia, política boa é a que triunfa. O cinismo político de Maquiavel diz tudo: os fins justificam os meios, e o fim é a vitória. A moral da política não é a moral da virtude. A moral da política é a vitória. Injustiça pois, que seja: o ganho de um e a perda de outro é a própria afirmação do poder quando se constitui em valor.
E o amor? Como pode ser injusto se é absolutamente voluntário? Ora, o termo voluntário é empregado em dois sentidos. Num, designa o próprio agir (por oposição ao reagir): a escolha livre, consciente e responsável de um ato. No outro, vai mais além para designar a ação livre, consciente e responsável, sim, mas desinteressada ademais. Neste segundo sentido só é voluntária a ação que não visa o interesse próprio e o benefício imediato ou individual. O trabalho voluntário não pode ser remunerado. Dar sem esperar retribuição: injustiça, pois. Nada mais voluntário neste sentido do que o amor. Amor digo, não desejo. Nietzsche diria que só uma alma forte é capaz de um amor assim, totalmente independente e desinteressado. Poder-se-ia objetar, e com razão, que tal ato amoroso não é desprovido de interesse, que os interesses (valores) que o movem são de uma ordem maior, mas ainda individuais, têm sua fonte no próprio indivíduo (forte) que age e não no objeto. Amor digo de novo, não altruísmo. Só um eu forte para se libertar do peso do "caro eu", aquela fonte de engano das ilusões de ótica que privilegiam o aqui, o agora e o eu (narcísico), e simplesmente amar. Amor, a virtude mor, ou a essência de todas elas: o sentimento é tudo, a intenção basta, a conquista não é o objetivo. O poder é forte e conquista o que deseja, o que lhe falta. A virtude é boa e o amor é pleno, nada pede, nada quer, nada lhe falta. Em ética, virtude é tudo, poder não é nada.
Duas injustiças então, dizia eu: violência e amor. O desrespeito ao interesse do outro e o desrespeito ao interesse próprio (no sentido imediato). Nas trocas entre o poder violento e a virtude amorosa, o saldo pende para o primeiro. O saldo bancário, bem entendido. Talvez, para Nietzsche e Ayn Rand, para quem poder e valor se igualam e que vêm o egoísmo como fonte do bem, o valor da pessoa seria então esse saldo. Mas para Jesus, Spinoza e Diógenes, valor é ética, poder é outra coisa, e para eles, o egoísmo é a fonte de todo mal e de todo erro, e só o amor constrói, e o valor seria então o inverso do saldo bancário.
Onde a verdade? Você escolhe. No fim, uma questão de opinião e de gosto, pois qualquer raciocínio em termos de juízos de valor chega aonde partiu. Meu amigo está certo do seu ponto de vista, ele escolhe o poder como critério de valor. Meu amigo está errado do meu ponto de vista, eu escolho a virtude.
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